Água, sabão e paciência
- Ana Paula Carvalhais

- 17 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Atrevimento é visita chegar - sem convite nem aviso -, ainda mais nesses tempos de isolamento social. Mas a ansiedade é mesmo uma hóspede indesejada. Nem adianta contar os minutos para que se despeça logo, pois esse é o melhor jeito de mantê-la por perto. Tem dias em que bate à porta, entra e se esparrama pela casa, mandando a concentração para longe!
Que atire a primeira pedra quem não recebeu uma visita dessas ultimamente! Como tenho certa tendência a me dispersar, costumo fazer minha lista de missões do dia na agenda e, num papel avulso, anotar os pensamentos intrusos que, por ventura, queiram roubar o tempo das prioridades. Mas ontem nem isso funcionou.
A cabeça travou, ritmada ao som do cortador de grama da vizinhança. O corpo estava preguiçoso, pedindo uns exercícios mas sem muita convicção para tal. Já as palavras, simplesmente, pareciam não querer se entrosar no material que eu estava produzindo. Pois bem, hora de mudar o foco e por as mãos para trabalhar.
Um bom cesto de roupa suja entrou em cena. Dessas, de criança que brinca sem dó nem preocupação. E não adianta, nesses casos, contar apenas com a máquina lavadora. É preciso usar as mãos e encarar com bravura. Trabalho necessário e sem romantismo algum. Aos poucos, no entanto, aquilo que era inquietação vai se sintonizando ao som da água, ao deslizar da espuma, esvai-se com a lama avermelhada, tão característica da terra daqui, rica em minério de ferro da região.
Estendo no varal e percebo que o tom de algumas peças, apesar do meu esforço, pouco mudou. As marcas continuam lá. A brincadeira ficou impregnada na blusa. O chão continua a correr em algumas meias. Nada será como antes. Ainda assim, levo o sentimento de dever cumprido. A roupa lavou minha ansiedade e já posso retomar o (outro) trabalho.




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