Trilhas

Uma canção do Cazuza me persegue há dias. Como num carrossel, os versos ficam a girar na cabeça. Vez por outra, algum deles soa mais forte. E todos parecem se encaixar perfeitamente a esse momento de pandemia, desumanização e tristeza social e política. Essa semana não foi diferente. A todo instante me pego cantarolando "E algum remédio que me dê alegria”.

Desde que me entendo por gente, carrego essa mania de acordar com uma música na cabeça e gozar de sua companhia ao longo do dia. Nem sempre dura tanto ou é de algum compositor que verdadeiramente goste. A memória às vezes prega cada peça! Mas Cazuza tem um lugar especial. Além da poesia ácida e tom crítico, suas canções – sempre atuais – trazem o sentimento gostoso de pré-adolescência, quando eu vivia no rastro da minha irmã mais velha, babando, admirando e imitando tudo o que ela fazia.

Ela era – e é fã até hoje. E gosto de pensar que Cazuza continuaria irreverente, apontando verdades e feridas desse inferno e céu de todo dia que é o nosso Brasil. Os ídolos que morrem cedo nos deixam órfãos mas têm a vantagem de nunca nos decepcionar. Não mudam de ideia, de lado ou de opinião como tantos que ficam na arena por mais tempo.

E esta semana, que já começou com notícias tão pesadas, a busca pela alegria veio como um mantra. Tenho me esforçado para não escrever sobre coisas ruins. Há cerca de dois anos, quando abandonei o jornalismo hard news, foi por perceber o quanto a repetição e exposição das coisas ruins as banalizam e nos enfraquecem. É claro que elas devem ser informadas, denunciadas com responsabilidade. Mas também é preciso contar boas histórias. Que estas nunca sejam esquecidas! Pois a Esperança é também um ato político. Um remédio que nos mantém vivos e atentos.