Tem gente
- Ana Paula Carvalhais

- 6 de nov. de 2020
- 2 min de leitura
Sou bem ruim em compras pela internet. Os algoritmos zombam de mim, eu rio deles. Gosto de gente, ver as coisas em seu tamanho e cores reais. Pegar, pagar, levar e pronto. Na verdade, acho que sou resistente ao comprar de modo geral. As vezes cismo com alguma coisa, pesquiso, viajo, espero a vontade passar. E os algoritmos continuam lá, bombardeando minhas redes com aquilo que já é página virada!
Sempre fui mais de pesquisar pela tela e comprar presencialmente. Mas esses tempos de distâncias mudaram um pouco as coisas. Essa sacudida planetária tem mostrado que menos é incrivelmente mais. Compro ainda mais raramente e, se possível, de alguém próximo. O pão delicioso feito por duas vizinhas, as massas folhadas de outra, quitutes da escola do meu filho, algum presentinho encomendado a uma artesã querida .
Mas na semana passada me rendi a um anúncio que ainda hoje faz pipocar no meu “feed” uma porção de outros semelhantes. Era um kit com capas de almofadas coloridas. Achei alegre, bom preço e um astral novo pro sofá da sala. Logo vi que diversos sites ofereciam exatamente o mesmo produto por preços diferentes. Busquei o melhor custo-benefício, olhei as taxas de entrega, comprei e ainda escolhi um kit natalino - afinal, o fim de ano está aí e tudo indica que será tal como os últimos meses: na toca.
Os kits chegaram ontem ao fim da tarde. Tudo certinho e no prazo. Mas não foi como esperado. Ao abrir a embalagem, um pacotinho menor caiu no chão. Ele continha dois porta-copos em que se lia estampada a palavra “gratidão” e um bilhete, escrito à mão e com caneta azul, agradecendo pela confiança, que eu ficasse satisfeita e retornasse.
Eu nem me lembrava do nome da loja virtual em que realizei a compra. Eram tantas praticamente iguais! Mas o bilhete me fez ver enxergar algo tão obvio quanto surpreendente: tem gente! Foi como um desenho das cavernas às avessas. Entre algoritmos, robôs e consumismo, há pessoas ao longo de toda a cadeia. Tudo é tão automático que nos esquecemos. Mas a escrita resgata. Basta um pedaço de papel para se fazer presente. Achei bonito. Um gesto simples, delicado, humano.




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