Sobre raptos e viagens

Acabo de retornar da Islândia. É a segunda vez que passeio pelos fiordes e cachoeiras geladas este ano – virtualmente, claro! A primeira foi em janeiro, antes mesmo do alvoroço da pandemia. Um delicioso mergulho naqueles cenários, tão distintos dos nossos trópicos, para desenvolver uma série de roteiros de vídeos institucionais para uma empresa especializada em expedições pela região do Círculo Polar Ártico e caçadas às enigmáticas auroras boreais. Mais recentemente, desembarco de uma viagem conduzida pelas letras delicadas do Valter Hugo Mãe, em A Desumanização.

A obra não é a mais saborosa do autor português mas é repleta de bonitezas. Fragmentos de filosofia para abrandar o gelo. “Os livros eram ladrões. Roubavam-nos do que nos acontecia. Mas também eram generosos. Ofereciam-nos o que não nos acontecia (...) Diziam-me coisas bonitas e eu sentia que a beleza passava a ser um direito” - traduz a personagem principal, de modo quase simplório, todo o fascínio da literatura. Penso que talvez seja esse mesmo o papel das Artes. Os livros, os filmes, as diferentes linguagens artísticas têm a proeza de nos apresentar um mundo distante enquanto nos anestesiam do nosso por alguns momentos. Isso é mágico e curativo. Necessário.

Nesse sentido, 2020 tem sido de intensas viagens, sem sair de casa. Especialmente tenho gostando de experimentar sotaques diversos da nossa língua. Revisitei Pessoa, maratonei por Mãe, conheci Gonçalo M. Tavares, voltei a Mia Couto e Agualusa – dessa vez, juntos, numa mesma publicação a quatro mãos. É com ela que acabo de tomar assento rumo ao além-mar. Roubando e sendo raptada pelo livro com que presenteei meu marido em seu último aniversário. Sim, acontece muito por aqui. Quem nunca deu um presente com segundas intenções?

PS: essa imagem foi sutilmente raptada do Instagram da @borealisexpedicões. Há outras maravilhosas por lá.