Na maternidade para se molhar

Tão vivos e negros como agora, seus olhos já me fustigavam. Era sua primeira noite fora de mim e também a estreia de um novo ser que brotou, no seu rastro. Não pude dormir. O motivo não era seu choro. Era o meu. O sentimento palpável de gratidão e um coquetel molotov de hormônios não me permitiam tirar os olhos de você. Me inundei. Agradecia sua chegada, sua saúde e perfeição. Uma enxurrada de sentimentos bons que ainda hoje reverbera em flashbacks.

É verdade. Eu sempre me emociono quando me lembro da cumplicidade silenciosa daquela noite. Era apenas a primeira de algumas tantas sem dormir. Porque o primeiro ano foi longo. Uma tempestade sem fim. Em nada lembrava o banho de chuva de verão dessa imagem, feita nas últimas semanas em que eu ainda tinha tudo sob controle e todas as certezas do mundo. Eu ainda não tinha meu "crachá" de mãe.

E nosso percurso até aqui tem sido uma grande aventura. Como é lindo olhar para um ser ainda pequeno que já manifesta valores, gostos e tanta personalidade! É claro que a tarefa de educar não é moleza. São acertos, erros, culpa, alegrias... Mas, principalmente, eu tenho um baita companheiro que, no auge de seus seis anos de idade, me permite revisitar minha infância, pegar carona em sua imaginação, viajar por seus desenhos. Revela em mim capacidades que eu desconhecia ter.

Nessa quarentena de convivência intensa, todas as 24 horas do dia são nossas, compartilhadas a três, sem brecha para o tédio. É um ano totalmente atípico. Suspenso no ar, mas acelerado no calendário. É quase dia das mães. Não vou conseguir ir até o abraço e o colo da minha. Mas hoje, ao te colocar para dormir, depois de contar uma história, lembrei mais uma vez daquela primeira noite. Seu sono tranquilo, uma vez mais, trouxe aquela chuva de bons sentimentos. Acho que o nome disso é esperança.