Andar com fé
- Ana Paula Carvalhais

- 8 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 10 de abr. de 2020
As imagens sacras impressionavam e eu morria de medo. Os sons eram como lamentos. Eu não decifrava bem as palavras cantadas. Lembro-me dos passos, o cheiro de vela. Crianças são fascinadas pela beleza do fogo e, por esse lado, a Semana Santa era legal. Cada pequena chama iluminava os rostos e, na multidão, a gente brincava de reconhecer os amigos de escola, os primos, vizinhos.
Num dia como hoje, toda a gente caminhava pelas ruas da minha terra natal. As mulheres tinham um itinerário, levando a imagem de Maria. Os homens cumpriam outro, carregando Jesus. Era a Procissão do Encontro. Um dos ritos do final da quaresma. Não sei se ultimamente tem sido concorrida como algumas décadas atrás. Mas com certeza, nesse ano, não haverá procissão. Esse encontro – como tantos outros – não vai acontecer.
Aqui da minha casa, muitos anos e mais de 350 quilômetros de distância desse cenário, não consigo deixar de pensar na relação entre quaresma e quarentena. É como se a Páscoa se aproximasse mas não estivéssemos prontos. Pegamos recuperação em “Humanidade”. Será preciso esperar. Tempo, reflexão, mais amor. Não falo apenas da convivência intensa no interior dos nossos lares. Mas também de amor-próprio, solidariedade, fé na raça humana mesmo.
Sinceramente, não torço para que tudo volte logo ao normal. Acho que há tempos a normalidade não ronda esse planeta. Jamais poderia ser normal pessoas passarem fome. O que temos feito com a natureza é uma insanidade e os juros que pagamos aos bancos passam muito longe do aceitável. Nem irei entrar na questão política do país, pois essa, sim, já estava doente antes mesmo da pandemia. E que bom que os tumores ficaram mais visíveis agora.
Será que estávamos correndo demais para perceber que tudo isso estava errado? Quando paramos, começamos a entender que são as pessoas que movem a economia. Percebemos que o céu volta a ser azul nas grandes cidades. Pais descobrem a brincadeira favorita do filho, que antes ficava em tempo integral na escolinha.
Acho que todos vamos sair um pouco do peso ou do prumo nessa quarentena. Não importa quantas lives a gente siga para ocupar o tempo, o corpo ou a mente. Ninguém passará ileso de algum desconforto financeiro ou emocional. Algo muito grande está acontecendo. O mundo tem que sair melhor dessa – e nós também.




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